sábado, 6 de agosto de 2011

A posição do Instituto Orbis em relação ao Sistema Marrecas

O Instituto Orbis de Proteção e Conservação da Natureza foi convidado a uma entrevista para o Jornal dos  Bairros, veículo de comunicação da UAB - União das Associações de Bairros de Caxias do Sul, para falar sobre a barragem do Arroio Marrecas. A reportagem, que que vai além da visão do Instituto Orbis,  foi publicada na edição nº 08 (Ano XV), em circulação a partir de 06 de Agosto de 2011. Infelizmente não há algum link para visualização online da matéria publicada.
Desde já, agradecemos ao Jornal dos Bairros pela excelente matéria.
Abaixo, o texto na íntegra encaminhado à reporter Luana Reis do Jornal dos Bairros.

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Todas as cidades do mundo precisam de aporte contínuo e suficiente de água para seu próprio abastecimento, isso porque quem vive nas cidades e cercanias são pessoas, seres humanos que dependem da água para a sua sobrevivência.
As barragens para captação e posterior distribuição de água são muito utilizadas ainda hoje mundo afora. Em Caxias do Sul, barragens são, até hoje, a única opção pública de larga escala de fornecimento de água ao cidadão. Porém, barragens apresentam-se atualmente como um sistema perigoso para seu propósito.
Na Roma antiga, que chegou a atingir um milhão de habitantes, a solução encontrada para fornecimento de água para seus moradores foi a construção de barragens e, para a sua distribuição, aquedutos, isso há mais de 2 mil anos atrás. Atualmente, as barragens têm outras tecnologias envolvidas. Engenharias um pouco diferentes, provavelmente mais especializadas. Mas a ideia central é a mesma e o processo, em última análise, é o mesmo: captar a água por meio de uma barragem e distribui-la através de aquedutos para os moradores da cidade.
No mundo atual, ano de 2011, terceiro milênio, com a crise ambiental instalada em todos os cantos do mundo, a construção de empreendimentos muito danosos ao meio ambiente, são temerários.  O Instituto Orbis trabalha sob a égide do Princípio da Precaução, sempre. Assim deveriam, também, trabalhar os governos em todas as suas esferas, bem como empresas e as pessoas, em sua totalidade.
O empreendimento Sistema Marrecas está sendo instalado numa área de Mata Atlântica que é Reserva da Biosfera, assim declarada pela ONU. Toda a Serra Gaúcha está nesse bioma. A Mata Atlântica é um dos biomas mais ameaçados do nosso planeta, através da descaracterização desse bioma pela sua destruição e a troca de seus elementos originários. E é justamente na Mata Atlântica que se encontra a grande maioria da população brasileira e as maiores cidades do País.
Encontrar soluções benéficas e pacíficas para a convivência do ser humano e a biota não humana (todos os seres vivos) é imprescindível nos dias de hoje. A natureza já dá sinais de mudanças violentas por termos, nós humanos, afetados seu equilíbrio. O ser humano tem enfraquecido o poder de resiliência (poder de retornar ao estado inicial após uma agressão) da natureza e a Mata Atlântica é um caso exemplar dessa intervenção degradante do ser humano.
Se temos água ainda hoje, é porque os processos naturais ainda estão ocorrendo dentro dos parâmetros antigos da natureza, de certa forma. Na continuação da degradação, os processos naturais são modificados e não temos como saber se teremos aporte de chuvas, que é o fornecimento de água natural, no futuro. E nem temos como saber quanto tempo durarão as nossas atuais condições climáticas atuais, haja vista que os processos de agressão ao meio ambiente têm se intensificado ainda mais, pelo ser humano.
Mas Caxias do Sul precisa de água, é óbvio. Como proceder, então?
Nosso momento humano atual no mundo já tem tecnologia suficientemente disponível para encontrarmos alternativas a essa questão. Em Caxias do Sul chove abundantemente durante o ano todo. Isso é uma dádiva. Nenhuma civilização humana, em toda história da humanidade, conseguir prosperar e se desenvolver sem o fornecimento de água. Porém, a forma de captação da água passa a ser o ponto crucial da questão.
Caxias do Sul recebe água por cima (chuvas) e tem disponibilidade de água por baixo, pelo subsolo (aquífero). Levando-se em conta o que foi descrito acima, optar pela destruição de centenas de hectares de um ecossistema pouco degradado, algo cada vez mais raro, afinal, em nome de quê se está fazendo isso?
Nossa cidade não para de crescer. Caxias do Sul certamente chegará a um milhão de habitantes em uma década ou menos. Mas Caxias do Sul continuará crescendo, até os cinco milhões de habitantes, quem sabe. Como será o fornecimento de água para nossa cidade nesses cenários futuros? Caxias do Sul se tornará uma ilha cercada de lagos de barragens por todos os lados? Como será mantida a qualidade da água com o avanço da urbanidade? Quais os custos financeiros e ambientais que o cidadão pagará para morar em Caxias do Sul (custo Caxias)?
Lembramos que os custos ambientais sempre retornam de uma forma ou de outra, a nós mesmos, quer seja através de mudanças climáticas e ambientais, severidade dos fenômenos naturais (chuvas, ventos, granizo, temperatura, etc.), mudanças das condições de solo (onde a cidade está instalada, propriamente dito). A mudanças desses parâmetros traz consigo a reconstrução e a reposição, o que acarreta em mais custos para o cidadão continuar em Caxias do Sul.
Enfim, o corte de árvores em um grande empreendimento em que houve falhas no processo ou, pelo menos, que foi rápido demais, é extremamente temerário e desaconselhável. Afinal, se ainda chove aqui (é essa á a água que alimenta nossos arroios), é porque temos árvores em todo redor. Quem faz a manutenção das nossas florestas são, em sua maioria, os animais que nela vivem. A permanência da água fluente e limpa, é devido às condições ambientais ainda estáveis. Optar por um modelo antigo de captação de água, com custos financeiros enormes e que não param de crescer(!) nessa obra, é inadmissível, beirando a estupidez. Ainda mais quando se perde 60% da água tratada na sua distribuição! Isso é inaceitável. Isso indigna qualquer um em sã consciência. Não precisaríamos o Sistema Marrecas. Por algumas décadas o eventual problema de falta d’água em Caxias do Sul estaria resolvido simplesmente sanando os problemas existentes nessa distribuição de água.
O Instituto Orbis não pode dar explicações técnicas da parte jurídica do que está acontecendo e, por isso, tem seus advogados. Mas quanto à parte ambiental, que também instrui os processos judiciais, a instituição está ciente de que a obra tem defeitos graves desde o seu projeto.
Há alguns anos atrás, o Instituto Orbis de Proteção e Conservação da Natureza e a União pela Vida – UPV ingressaram com ação judicial na Justiça Federal contra a Prefeitura, o SAMAE e o BNDES por causa da forma da propaganda utilizada na veiculação do Sistema Marrecas, que privilegia apenas o que é bom e diz que a obra é necessária. No nosso entendimento, o Governo Municipal deve informar qual o custo ambiental, os prejuízos ao patrimônio ambiental, os danos ambientais que a cidade terá com esse empreendimento, afinal, o Poder Público deve informações integrais aos cidadãos. Atualmente a ação está correndo na Justiça Estadual e sem a participação do BNDES no feito. Aguardamos o judiciário e seus trâmites.
Quanto à ação que suspendeu a licença para o corte das árvores, assegurada pelo IBAMA, o InGÁ – Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais e a União pela Vida – UPV, ingressaram com ação na Justiça Federal da Comarca de Porto Alegre e tiveram sentença favorável (acompanhe aqui o andamento do processo http://www.jfrs.jus.br/processos/acompanhamento/resultado_pesquisa.php?txtValor=50312812820104047100&selOrigem=RS&chkMostrarBaixados&todasfases=S&selForma=NU&todaspartes&hdnRefId&txtPalavraGerada). Na sentença, a Juíza Federal ordenou que o IBAMA se pronunciasse quanto ao porquê dessa licença, já que não fora analisada uma alternativa de menor impacto ambiental existente.
Quantas árvores estão sob a mira das motosserras do SAMAE? Dez mil araucárias, pelo menos, ao contrário do que o próprio SAMAE afirma. Em uma expedição feita num trecho de um quilômetro no Arroio Marrecas, perto do local onde atualmente está sendo instalado o barramento, o Instituto Orbis juntamente com outros membros da área da ecologia e do Direito, foram contados, apenas nesse trecho, mais de 1000 xaxins! Lembramos que o xaxim é uma espécie de planta imune ao corte em lei estadual. Lembramos também que no caso de extirpação de árvores nessa condição, deve, antes, ser feito um senso e não, como foi feito, uma estimativa de quantos indivíduos estão no local para serem retirados. E, por fim, no caso dos xaxins, lembramos, ainda, que o preço dos xaxins é muito alto.
Estão sem resposta ainda questões como a compensação ambiental da obra. Vão fazer uma Unidade de Conservação do mesmo tamanho do empreendimento? Por que não?
Os problemas são muitos e a transparência tem sido censurada. Não aceitamos, de forma alguma, esse tipo de tratamento. O cidadão caxiense deve saber o que está acontecendo e o que está por trás de tudo isso.
Historicamente em Caxias do Sul sempre foram realizadas obras de grande impacto ambiental com a comunidade muda, sem maiores transtornos, mesmo apresentando problemas desde os projetos. O Instituto Orbis de Proteção e Conservação da Natureza, entidade ambientalista caxiense, completou seis anos de existência no dia 01 de Agosto de 2011 e está colocado no sentido, justamente, da proteção e da conservação da nossa natureza, utilizando-se do princípio da precaução, como já fora dito.
Esse princípio pressupõe que, se não se sabe quais os limites das consequências que serão proporcionadas, não se faz o que fora proposto até que estudos sejam aprofundados ou que a tecnologia assegure a liberação de determinada obra ou ação.
Caxias do Sul é hoje uma cidade que caminha para a sua total descaracterização do que nossa comunidade pretendia há alguns anos atrás, chegando a não ter controle, como se uma cidade do tamanho de São Paulo fosse, quase que em todos os setores, não apenas na parte ambiental. Infelizmente, em nome de uma forma antiga de progresso, a qualquer custo, tanto ambiental quanto social, os governantes e dirigentes passam por cima inclusive da lei para realizar seus feitos e propagandear para as próximas eleições. Quanto ao meio ambiente... esse tem pouquíssimo espaço na Caxias do Sul atual.
Enquanto isso, a resiliência do nosso meio ambiente está sendo desgastada até a última força. Os que estarão vivos no futuro, que poderá ser muito mais próximo que alguém jamais pensou, é que sofrerão na pele todas essas consequências, possivelmente com bastante dor e certamente com muito gasto de dinheiro.

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